Enquanto rodamos o Brasil Camila Pinho Mello e Taís Froes trabalhavam juntas numa escola de educação infantil em Salvador, na Bahia, em 2017. Um dos projetos definidos para esse ano ano era ocupar com as crianças a Praça dos Eucaliptos, em frente à escola. “Lá, vimos na prática a potência e a profundidade de redescobrir a natureza com olhares atentos e curiosos”, contam.
Dos encantos dessa experiência com o brincar livre na praça, surgiu a inspiração para criar a OCA – Infância Viva. Taís conta que “as raízes do projeto se firmaram quando as crianças começaram a construir pequenas ocas com galhos, flores, folhas, adornadas com delicadeza e cuidado, e quando as famílias também se envolveram nesse fazer, e todos usaram troncos para colocar os elementos que admiravam, tintas da terra…, inúmeras possibilidades surgiam a cada ida à praça”.
Mas, afinal, o que é a OCA? “Ela nasceu do desejo de construir um espaço para que crianças e adultos se reconectem com a simplicidade, a valorização e o reconhecimento da natureza, como parte integrante do ser”, destacam as duas.
A brincadeira foi além do projeto do ano letivo e expandiu-se para as férias. A primeira temporada aconteceu em janeiro de 2018. “Esse tempo nos trouxe uma certeza do caminho que está, até hoje, sendo trilhado por nós. Observar a relação das crianças com os quatro elementos, com os animais, a chegada das famílias no quintal com qualidade, presença e desejo de permanecer. Tudo fez muito sentido, ver crianças de idades distintas interagindo, brincado, cuidando umas das outras”, explica Taís.
E Camila lembra de uma cena que a emocionou muito nessa primeira semana de OCA. “Um pai ficou um tempo sentado olhando o quintal, emocionado, lembrando da própria infância na fazenda, revivendo sua história. Temos certeza que esse pensamento marcou um retorno à simplicidade, ao primordial da matéria e das relações deste homem”.
Durante uma semana, as crianças se reuniram num quintal cedido por um casal de idosos. Explicamos. Enquanto Camila e Taís procuravam um local especial para brincar com as crianças, se deram conta de que as “casas de vó”, com os melhores quintais e muito aconchego, têm avós e avôs vivendo nelas. Surgiu, então, a ideia de conversar com os moradores e negociar uma parceria. E assim aconteceu.
Um dos quintais ocupados pelos pequenos foi o do “seu” Francisco. Na primeira conversa, Camila perguntou: “O senhor gosta de crianças?”. “Seu” Francisco sabiamente respondeu: “Quem não ama as crianças não ama a si mesmo”.
Brincar com crianças e idosos – pessoas com um grande intervalo de gerações – num quintal é uma experiência e tanto, tem muita riqueza!
“Que lembrança você tem do quintal da sua avó? Eu tenho lembranças fantásticas. Na primeira vivência, já tivemos certeza da importância de estabelecer essa relação entre os mais velhos e os mais novos. Relação que diz muito sobre o nome OCA, e a contribuições que os mais velhos, dos nossos antepassados tiveram sobre o nosso viver, hoje”. É conectar a infância de muitas gerações num único momento.
“Nos encontros com as crianças, valorizamos muito a presença dos 4 elementos da natureza, como força agregadora para a construção da imaginação criadora. E pensamos sempre em materiais que sejam potentes e que deixem rastros na duração da experiência, memórias que perdurem”, revelam Camila e Thaís.
Já aconteceram três encontros nos quintais, com três idosos diferentes que acolheram o grupo. “Cada dia era um exercício prazeroso de diálogos sobre o que encantou as crianças nos dias anteriores, o que poderia potencializar a relação delas com o quintal, seu imaginário. Foi um trabalho de corpo inteiro, presença para despertar encantamento em nós, enquanto adultas, de crianças, de famílias para reconexão com o essencial”.
Elas contam que os espaços são sempre organizados previamente, recebendo a intencionalidade de provocar diferentes relações e possibilidades de interações. A experiência da OCA revela crianças que vivem o seu tempo, o presente, os espaços, o “aqui e agora”.
Tais relata como essa relação intergeracional já estava presente no olhar das crianças. “Elas olhavam para os eucaliptos e falavam qual era a árvore mais velha, qual era a mais nova. Para elas, a casca que soltava do tronco era comparada com o dente caindo”.
Muitas vezes também aparecia nas frases das crianças que “o que estava velho não prestava mais”. Mas, nos quintais da OCA, as crianças têm a oportunidade de olhar para o mais velho como uma pessoa que detém um saber diferente do mundo. Um dia, “seu’ Francisco resolveu cortar cana para as crianças chuparem. As crianças se encantaram ao observar os movimentos que ele fazia com esse corte. Muitas nunca haviam chupado cana. Além de ser uma experiência nova, ela foi realizada com encantamento e afetividade.
Dona Bernadete, uma das senhoras que acolheu as crianças em seu quintal, contava histórias. Camila relata que era emocionante ver os olhos dela emocionados ao ser ouvida pela plateia de crianças. “Ela dizia para as crianças: Me chamem de vó!”. Esse convívio do cotidiano fez surgir um vínculo forte de respeito, cuidado, presença e viver”.
Enquanto me contam sobre a OCA, os olhos de Camila e Taís brilham, o corpo refaz gestos dos meninos e meninas que experimentam esse mundo junto com elas. “É uma troca de diferentes gerações. É cuidar da infância e cultivar os saberes da ancestralidade”, finaliza Tais.
Conectar os períodos iniciais e finais da vida é conectar com a nossa natureza, a humana, mas também com o fluxo vivo de todos os seres que existem, já existiram e ainda estão por vir.
Fotos: Ana Carol Thomé
Fonte: Envolverde – por Ana Carol Thomé, Conexão Planeta