Pesquisa da iniciativa Green Ocean Amazon (GOAmazon) mostra que as queimadas de áreas desmatadas, entre outros poluidores, influenciam na formação de nuvens e na radiação solar .
Manaus (AM) – A queima de combustível pelos veículos, os aparelhos de ar condicionado, a energia termelétrica e as queimadas de áreas desmatadas, presentes em Manaus e em seu entorno, são alguns dos fatores que estão elevando em até 400% a produção de aerossóis na Floresta Amazônica. Aerossóis são partículas ainda misteriosas para ciência, mas são importantes na manutenção do clima e balanço da radiação solar terrestre. No entanto, o excesso das partículas, como foi detectado em pesquisa da iniciativa Green Ocean Amazon (GOAmazon) na capital do Amazonas, pode trazer consequências que impedem a formação de nuvens e alteram o processo de fotossíntese da floresta.
As informações da pesquisa foram publicadas no artigo da revista Nature Communications: “Urban pollution greatly enhances formation of natural aerosols over the Amazon rainforest”. O pesquisador do Pacific Northwest National Laboratory, Manish Kumar Shrivastava, um dos autores do artigo, disse que, de maneira natural, a floresta produz partículas de aerossóis, que são chamadas primárias e secundárias, dependendo do processo de formação, mas em concentrações muito baixas.
“No entanto, a observação realizada através do GOAmazon mostra que a poluição de Manaus contribui para o aumento das emissões de óxidos de nitrogênio que, por sua vez, aumentam a presença de oxidantes como o ozônio e radicais hidroxila, o que acelera muito a formação das partículas secundárias”, afirma Manish Shrivastava em entrevista à Amazônia Real.
A pesquisa é resultado do trabalho da iniciativa GOAmazon, uma parceria entre o governo brasileiro e os Estados Unidos que, desde 2014, estuda processos que produzem chuva na região dos trópicos úmidos e avalia a poluição na área urbana de Manaus e sua influência no ciclo de vida das nuvens.
O estudo foi realizado com a colaboração de 36 pesquisadores de diversas nacionalidades, sendo nove brasileiros. Eles analisaram medições, realizadas com aviões do Departamento de Energia dos Estados Unidos. Dentre os dados estão as medidas em superfície, e um programa de computador que simula a química da atmosfera em escala regional para interpretar as medidas experimentais à luz da meteorologia e dos complexos processos químicos.
Já era sabido que o processo de urbanização altera totalmente a produção de aerossóis em florestas tropicais preservadas, pois tal fenômeno foi observado em outras regiões na África e Sudoeste da Ásia. Mas nunca os dados foram tão elevados como na Amazônia, onde a produção aumenta em mais de 400% e influência na formação de nuvens e na radiação solar na floresta. O dado é de extrema importância, pois em condições normais, os aerossóis primários respondem por 75% a 85% da massa do aerossol presente na floresta amazônica.
O pesquisador Manish Shrivastava acrescenta que a floresta é, provavelmente, muito mais sensível às mudanças na produção de aerossóis do que outras regiões já observadas pelos pesquisadores. Isso acontece porque ela é muito primitiva, ou seja, preservada e com pouquíssima interferência antropogênica. O cientista também alerta que o aumento na produção de aerossóis pode alterar as nuvens e os padrões de chuva.
“O efeito geral e a sensibilidade da floresta a essas mudanças não são bem compreendidos ainda. Sabe-se também que, além da produção de aerossóis, o aumento do ozônio altera a absorção de carbono e os processos fotossintéticos da floresta. Em resumo, o aumento da presença das partículas, e de ozônio, pode afetar a floresta, em aspectos de clima, ecologia e padrões de chuva, além da saúde humana”, explica Shrivastava.
Uma das contribuições do estudo diz respeito ao impacto da poluição urbana em uma floresta tropical intocada, como a Floresta Amazônica. Agora, já se sabe que as emissões de poluição provocam grandes mudanças na formação de aerossóis e que isso pode acarretar efeitos climáticos. Por isso, no momento, o mundo não pode arriscar um aumento de poluição com essa dimensão.
O Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário, limitou a meta do aumento da temperatura em abaixo de 2ºC, de preferência 1,5ºC, até 2035. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), essa meta só será atingida se a humanidade cortar as emissões em 45%, nos próximos 11 anos. Mas, segundo a Agência Internacional de Energia, a demanda global por energia subiu 2,3% em 2018, aumentando as emissões de gás carbônico por queima de combustíveis fósseis em 1,7%. Isso quer dizer que as emissões de gases do efeito estufa estão aumentando, quando deveriam diminuir.
“Ainda não se sabe quais serão os reais impactos de tudo isso, mas a poluição está causando um distúrbio nos processos naturais. As partículas de aerossóis primários agem como as ‘sementes’ das nuvens. O vapor d’água se condensa nos aerossóis e as nuvens então começam a ser formadas. O excesso dele pode mudar o padrão de formação de nuvens e, consequentemente, o de chuva”, acrescenta uma das autoras do artigo acima mencionado, e pesquisadora do Max Planck Institute for Biogeochemistry, Eliane Gomes Alves.
Impactos da urbanização vão além das cidades
Fonte: Envolverde