Na noite desta quarta (29), o Senado Federal decidiu não colocar a MP 867 em votação antes de 3 de junho, quando ela perde a validade. A MP fragilizava o Código Florestal. A decisão do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), se baseou na necessidade de ter mais tempo para analisar a medida, dado que ela poderia afetar toda a estratégia brasileira de combate às mudanças climáticas, dispensando a recuperação de pelo menos 5 milhões de hectares de vegetação nativa, sobretudo no Cerrado.
O plenário da Câmara já havia aprovado o relatório do deputado Sérgio Souza (MDB-PR), que trazia muitas emendas ao texto original. O texto principal recebeu 243 votos favoráveis e 19 contrários – como a oposição fez obstrução, seus votos não são contabilizados.
A MP 867 fragilizava o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), a legislação que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa brasileira. O Código Florestal vigente foi aprovado há apenas 8 anos pelo Congresso Nacional, depois de 5 anos de intensos debates em toda a sociedade. Não foi o texto ideal para nenhuma das partes envolvidas, ambientalistas e produtores em sua maioria, mas a legislação alcançada foi o ponto de equilíbrio, chancelado pelo STF em 2018.
Repercussão
“A estabilidade da legislação florestal é benéfica ao mercado e ao exportador de commodities brasileiras, dinamiza o setor agropecuário, com a atração de novos perfis de investidores. O setor está amadurecendo e por esse caminho alcançará mercados mais exigentes, que remuneram melhor produtos de maior valor agregado. Não há espaço para retrocessos”, analisa Roberta del Giudice, Secretaria Executiva do Observatório do Código Florestal, desde de sua edição.
Para Mario Mantovani, diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, essas mudanças seriam um gol contra para o Brasil. “Perde o meio ambiente, a sociedade e o próprio agronegócio, que já tem representantes preocupados e se posicionando contra a medida. Ela pode trazer prejuízos não só para a imagem do agronegócio, mas para as exportações do setor, às commodities, gerando consequências em diversos outros setores. O Brasil, por exemplo, tem enorme potencial para gerar emprego e renda a partir da restauração florestal das Reservas Legais, prevista no Programa de Regularização Ambiental (PRA), e também de cumprir acordos internacionais firmados pelo país” destaca ele.
“A Apremavi trabalha há mais de 30 anos com adequação ambiental em parceria com produtores rurais e, com base em ações concretas podemos afirmar que é possível, e também imprescindível o cumprimento do Código Florestal. Uma propriedade legal é aquela que cumpre a legislação ambiental e ao mesmo tempo promove o bem-estar e geração de renda para as pessoas que nela moram”, afirma Miriam Prochnow, presidente da Apremavi – Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida.
“Temos que reconhecer o importante papel assumido pelo senado Davi Alcolumbre ao evitar a aprovação, às pressas, da MP 867, que fragiliza o Código Florestal e faria o país perder 5 mi de ha de vegetação nativa”, afirma Raul Valle, diretor de Políticas Públicas do WWF-Brasil. “Assunto sério não pode vir de contrabando.”
Histórico de jabutis
A MP 867 chegou ao Congresso em dezembro de 2018 com apenas 10 linhas e propunha a prorrogação, por dois anos, do prazo no qual os produtores rurais podem aderir ao PRA (Programa de Regularização Ambiental). No entanto, no decorrer das discussões na Comissão Mista, a MP 867 recebeu 35 emendas estranhas ao assunto inicial –em linguagem parlamentar, são os chamados “jabutis”.
Uma das mudanças incluídas na comissão especial dispensava os médios e grandes produtores da recuperação de 5 milhões de hectares de vegetação nativa, pois estabelecia que todas as fazendas desmatadas no Cerrado antes de 1989, ou na Mata Atlântica antes de 1965, não precisariam recuperar a reserva legal (área de 20% do imóvel que deve ser mantida com a vegetação original). A argumentação do relator, assim como da Frente Parlamentar Agropecuária, era de que esse seria apenas um “ajuste” na lei, que já dispensa os produtores rurais de recuperar para percentuais maiores do que aqueles vigentes à época do desmatamento efetivo. Segundo os defensores da medida, não existiria reserva legal no Cerrado antes de julho de 1989, quando foi aprovada a Lei Federal 7803. O problema é que mesmo antes de 1989 o Código Florestal já exigia que fazendas no Cerrado – e em qualquer parte do país – mantivessem 20% de reserva legal. Há, inclusive, reservas registradas antes dessa data. Não se trata, portanto, de apenas um ajuste, mas da mudança efetiva numa regra, com graves implicações ambientais.
Outra alteração no Código Florestal que era bastante grave estava no art. 59. As mudanças propostas acabam com a regra de que só poderão fazer jus aos benefícios da lei (anistia de multas e áreas a serem recuperadas) aqueles produtores que forem proativos e aderirem ao Programa de Regularização Ambiental até determinada data. Se aprovada, a MP permitiria que que esses benefícios poderiam ser auferidos mesmo por produtores que decidissem fugir da fiscalização e viessem a aderir ao Cadastro Ambiental Rural num futuro remoto. Seria um desrespeito aos 5,6 milhões de produtores que acreditaram que as regras aprovadas em 2012 eram para valer e já se apresentaram para cumprir a lei. Se aplicada, a nova legislação beneficiaria apenas 4% dos produtores — ou seja 96% dos produtores já estão se adequando à legislação do Código Florestal.
Fonte: WWF